Pequena revisão sobre Síndrome Neuroléptica e outras condições semelhantes
Confusão mental e inquietação são quadros comuns no hospital ou no serviço de emergência. Dentre as várias etiologias, uma delas são os efeitos adversos das medicações que o paciente usa regularmente. Aí se incluem condições que sempre precisam ser lembradas em situações agudas, como a Síndrome Neuroléptica Maligna (SNM), a Hipertermia Maligna (HM) e a Síndrome Serotoninérgica (SS). Elas devem ser consideradas como hipóteses diagnósticas quando relacionadas a alguns medicamentos de uso frequente na prática médica – por exemplo, medicações neurolépticas (haldol, olanzapina, risperidona etc) – e principalmente se acompanhados de hiperexcitabilidade autonômica (febre, sudorese, taquicardia) e neuromuscular (rigidez, mioclonias).
Síndrome Neuroléptica Maligna
A SNM é uma reação idiossincrática rara (mas grave) a medicamentos antipsicóticos. Dentre os possíveis gatilhos, estão:
- uso crônico ou recente de neurolépticos típicos ou atípicos (no mínimo, usado nos últimos 3 dias)
- não apenas antipsicóticos, mas também outras classes de medicamentos, podem estar associadas à SMN, destacando-se a importância de monitorar interações medicamentosas (Kyotani et al, 2023).
- Além disso, a parada abrupta de fármacos dopaminérgicos (l-dopa ou bromocriptina) e de baclofeno também podem ser um gatilho.
Sua apresentação típica é um quadro de encefalopatia/confusão e delirium hiperativo. Os achados clínicos comuns incluem rigidez muscular generalizada, hipertermia, alteração do estado mental e instabilidade autonômica, a qual pode se manifestar como hipertensão, taquicardia, diaforese intensa e flutuações na pressão arterial (Gurrera et al, 2011). A acinesia, que se refere à ausência ou redução significativa de movimentos voluntários, também pode ser observada, embora a rigidez muscular seja um sintoma mais frequentemente destacado (Lang et al, 2015).
A SNM eventualmente pode ser confundida com encefalite (mas esta não cursa com rigidez) ou intoxicação por cocaína, anfetamina e abstinência alcoólica (principalmente pela febre e encefalopatia). Estes possíveis diagnósticos diferenciais não cursam com CK elevada como é o caso da SNM, a não ser que haja história de trauma/rabdomiólise associados.
Na tabela a seguir, grandes autores resumem os achados clínicos num artigo de revisão recente da NEJM (para ter acesso a ele, clique aqui), comparando algumas condições. Em seguida a ela, segue uma outra tabela mais simplificada que elaborei.
Outra armadilha diagnóstica é que a abordagem inicial pode ser interpretada como agitação relacionada a possíveis distúrbios psiquiátricos, quando talvez alguém prescreveria um neuroléptico inadvertidamente; ao contrário, o tratamento da SNM seria justamente a suspensão destes fármacos.
Apesar do prognóstico tradicionalmente ruim, revisões recentes mostraram sobrevida alta. Fatores de risco independentes para mortalidade incluem problemas respiratórios, gravidade da hipertermia e idade avançada (Guinart et al, 2021). São imprescindíveis o diagnóstico e o tratamento precoces, uma vez que a SNM requer intervenção imediata para evitar complicações graves. O manejo inclui a interrupção imediata do agente causador, suporte intensivo e, em alguns casos, o uso de bromocriptina (2,5-10 mg 8/8h) ou amantadina para restaurar a atividade dopaminérgica. Também podem ser úteis benzodiazepínicos (para a rigidez) e dantrolene 1-2 mg/kg, este podendo ser repetido (Perry 2012).
Hipertermia Maligna
Já a Hipertermia Maligna é uma desordem genética, relacionada a mutações no gene RYR1, que pode ser desencadeada por anestésicos voláteis e relaxantes musculares e e cuja apresentação clínica pode progredir com estupor e coma. O tratamento consiste em resfriamento, dantrolene (1-2 mg/kg IV em doses repetidas) e bicarbonato para corrigir a acidose metabólica.
Como o diagnóstico diferencial com SNM é difícil, a anamnese é fundamental. A sobreposição fenotípica com a SMN e a SS sugere uma possível suscetibilidade genética compartilhada (Kruijt et al 2020).
Síndrome Serotoninérgica
A Síndrome Serotoninérgica (SS) é causada por associação de fármacos serotoninérgicos de uso comum na prática médica (por exemplo, IMAO e IRSS) e é clinicamente semelhante à SNM (mas esta faz leucocitose, enquanto que a SS não). Outro ponto em que a SS pode ser diferenciada da SNM é pela presença de hiperreflexia e clônus, frequentemente mais pronunciados nos membros inferiores. Além da combinação de IMAO e ISRS, a SS pode resultar da interação de diversos medicamentos que aumentam a serotonina, incluindo certos analgésicos, antieméticos e drogas ilícitas.
Além da descontinuação dos agentes serotoninérgicos e do suporte intensivo, o uso de cipro-heptadina é recomendado como antagonista da serotonina. Metisergida seria uma alternativa
Conclusão
Também deve ser incluído dentre as hipóteses nos contextos acima a intoxicação por anticolinérgicos (por exemplo, antidepressivos tricíclicos e anti-histamínicos), que pode se apresentar como encefalopatia febril, hipotensão, taquicardia, rigidez, pele seca e midríase. Ainda, é preciso lembrar de outras etiologias possíveis: meningite, status epiléptico, drogas ilícitas, abstinência alcoólica.
De modo geral, a abordagem nestes quadros deve incluir TC crânio, EEG, mioglobina urinária, além de laboratório básico, lactato, culturas; idealmente, também se deve considerar exame toxicológico e LCR (com PCR para causas virais).
Assim, essas condições exigem uma abordagem cuidadosa na prescrição eletiva de medicamentos que afetam os sistemas de serotonina ou dopamina, com atenção especial às interações medicamentosas potenciais.
Referências:
- Gomes et al. Diagnosis and implications in the therapeutic management of patient with afebrile neurolepctic malignant syndrome. Oxf Med Case Reports, 2016.
- Gurrera et al, 2011. An International Consensus Study of Neuroleptic Malignant Syndrome Diagnostic Criteria Using the Delphi Method. The Journal of Clinical Psychiatry. 2011;72(9):1222-8. doi:10.4088/JCP.10m06438.
- Lang et al, 2015. Neuroleptic Malignant Syndrome or Catatonia? Trying to Solve the Catatonic Dilemma. Psychopharmacology. 2015;232(1):1-5. doi:10.1007/s00213-014-3807-8.
- Morris Levin. “Emergency Neurology”. Oxford, 2013.
- Guerrera et al. “An international consensus study of neuroleptic malignant syndrome diagnostic criteria using the Delphi method.” J Clin Psychiatry, 2011.
- Guinart et al, 2021. A Systematic Review and Pooled, Patient–Level Analysis of Predictors of Mortality in Neuroleptic Malignant Syndrome. Acta Psychiatrica Scandinavica. 2021;144(4):329-341. doi:10.1111/acps.13359.
- Gillman PK, 2020. Neuroleptic Malignant Syndrome: Mechanisms, Interactions, and Causality. Movement Disorders : Official Journal of the Movement Disorder Society. 2010;25(12):1780-90. doi:10.1002/mds.23220.
- Kyotani et al, 2023. The Role of Antipsychotics and Other Drugs on the Development and Progression of Neuroleptic Malignant Syndrome. Scientific Reports. 2023;13(1):18459. doi:10.1038/s41598-023-45783-z.
- Kruijt et al 2020.HyperCKemia and Rhabdomyolysis in the Neuroleptic Malignant and Serotonin Syndromes: A Literature Review. Neuromuscular Disorders : NMD. 2020;30(12):949-958. doi:10.1016/j.nmd.2020.10.010.
- Perry 2012. Serotonin Syndrome vs Neuroleptic Malignant Syndrome: A Contrast of Causes, Diagnoses, and Management. Annals of Clinical Psychiatry : Official Journal of the American Academy of Clinical Psychiatrists. 2012;24(2):155-62.