Faculdade Mar Atlântico

Metafísica: uma introdução

O surgimento do nome “Metafísica” para designar uma disciplina da filosofia teve uma trajetória, no mínimo, peculiar. Trata-se do nome de uma obra – um conjunto de livros que foram unidos – que passou a denominar um campo do conhecimento humano, mas que nunca foi empregado pelo próprio autor da obra: Aristóteles. O filósofo grego refere-se à metafísica como a “filosofia primeira”, “ciência do ente enquanto ente” e até “teologia”. Esses livros receberam o título de “Metafísica” posteriormente e já têm esse nome desde a organização da obra aristotélica levada a cabo por Andrônico de Rodes, no século I a.C.

Normalmente, tratar do que seja uma área do conhecimento é simples. Indicamos sua diferença com relação a outros campos, indicamos seu objeto fundamental e seguimos adiante. No entanto, isso não se dá na metafísica. Estabelecer o que ela é já é fazer metafísica; exige afastar certas posições filosóficas como insuficientes, bem como aceitar que há verdades em si mesmas superiores aos seres humanos e que merecem ser investigadas.

A mais elevada das ciências

No decorrer de sua obra “Metafísica”, Aristóteles expõe de diferentes maneiras qual seria o objeto dessa área de conhecimento. Para descobri-lo, partimos da afirmação de que a metafísica é a área do saber mais próxima da sabedoria: um conhecimento acerca das primeiras causas e dos princípios, que permite uma compreensão geral de toda a realidade. Trata-se de uma ciência teórica, não voltada para a conduta ou para a produção de algo. Aqui, temos uma visão cara aos pensadores clássicos, que consideravam que o saber mais nobre era um fim em si mesmo, e não um meio para outra coisa. A nobreza da metafísica implica sua autonomia, como algo que importa em si. 

A metafísica é, também, o conhecimento mais elevado em dignidade, por ser o mais divino — tanto em seu objeto quanto em seu sujeito. Nas palavras de Aristóteles, “Deus é a causa de todas as coisas, e só Deus, ou ele principalmente, pode possui-la [a metafísica]. Todas as outras ciências são mais necessárias que esta; mas melhor, nenhuma”. Além de ser a ciência que a divindade apresenta em si mesma, tal conhecimento tem por objeto realidades divinas, entendidas, em sentido amplo, como algo além do humano. 

Não podemos perder de vista, inclusive, que os demais campos do saber dependem dessa ciência, que os organiza e os ordena. Como Tomás de Aquino comenta, a ciência que regula as demais é a maximamente intelectual. Dizemos isso porque o intelecto deve guiar e conduzir o que é caracterizado pela força ou pelo material, tal como a razão humana conduz o comportamento e o esforço físico do sujeito. Logo, a ciência ordenadora e condutora deve ser a mais inteligível de todas, que adentra mais profundamente na realidade e alcança o universal que está nos variados entes. 

A ciência do ente enquanto ente

É difícil para nós, em um primeiro momento, entender o que seja uma ciência a respeito do ente. Uma maneira simples para introduzir este tema é dizer que o ente abarca tudo o que é, de todas as maneiras. A metafísica estuda essa realidade prévia a determinações como a matéria, a vida, o ser conhecido, a correção da ação, e assim por diante. Por isso podemos dizer que qualquer outro conhecimento pressupõe a metafísica: qualquer objeto, antes de ser de alguma maneira, precisa ser, isto é, possuir o ser. Sem o saber metafísico, os demais, relacionados aos distintos gêneros de entes, se tornam obscuros e incompletos.

Estudar o ente enquanto ente, que é a tarefa da metafísica, consiste em analisar o que há de comum em tudo o que é, abrangendo os princípios, causas primeiras e elementos do ente enquanto tal. Todos esses aspectos são contemplados pela mesma ciência, porque estão relacionados entre si. A unidade e a multiplicidade, o igual e o diferente, a substância e os acidentes, o ato e a potência são alguns dos temas diretamente relacionados aos entes; por isso, são estudados pela metafísica. Também o são os princípios que governam a realidade, sem os quais não poderíamos compreendê-la, nem ela se sustentar. 

A filosofia é a ciência da verdade, e essa qualificação aplica-se primordialmente à metafísica. Não conhecemos a verdade sem conhecer a causa: dizemos que o que apresenta uma propriedade por sua própria natureza é a causa pela qual outras coisas recebam tal propriedade. O que isso significa? 

Algo maximamente inteligente será a causa da inteligência de outros, assim como o fogo é a causa do calor em um ambiente. Logo, será mais verdadeiro o que for a causa da verdade nas outras coisas. Disso, Aristóteles conclui que os princípios dos seres eternos são sempre, necessariamente, os mais verdadeiros, e cada coisa possui tanto de verdade quanto possui de ser. Por trás dessa conclusão, está a concepção de que as coisas imutáveis, eternas, são a causa do ser das realidades físicas e mutáveis. 

Há certeza na metafísica?

O método é importante em todos os campos do saber e podemos notar que há diferenças em relação a qual deles empregar em virtude do tipo de objeto que será: uma das características da pessoa bem-educada é saber qual o método e o nível de certeza próprios de cada área do conhecimento. Existem argumentos adequados para a história ou a crítica literária que seriam metodologicamente impróprios na matemática ou na física, e o contrário também acontece. Há um grau de certeza que pode ser demandado de cada área de estudo, e reconhecer o que cabe a cada uma é fundamental. Podemos, portanto, nos perguntar: a metafísica é uma ciência que pode alcançar verdades com rigor e certeza ou não?

Há autores que consideram que a noção de verdade já não tem mais sentido. Para eles, a metafísica não pode oferecer juízos seguros e comprovados porque nenhum conhecimento humano o pode. Esse posicionamento dá à questão do método na metafísica uma importância adicional; afinal, se comprovarmos que a metafísica parte de princípios certos e cognoscíveis, estaríamos nos afastando do relativismo. 

Para defender seu posicionamento acerca da questão, Aristóteles propõe diferenciar a dialética das ciências propriamente ditas: para dizer se a metafísica é capaz de nos dar verdades, devemos nos perguntar se esse campo do conhecimento parte de princípios certos, seguros — como sucede nas ciências —, ou se versa sobre juízos prováveis, compartilhados pela maioria ou pelos mais capazes — tal qual se dá na discussão dialética. Na dialética, basta testar o conhecimento e analisá-lo, enquanto a filosofia procura conhecer positivamente. Há, ainda, segundo o autor, a sofística: esta, contudo, é mero conhecimento aparente. 

O filósofo ou metafísico procede demonstrativamente acerca do ente, visando a conhecê-lo com certeza; já o dialético trata do ente a partir de argumentos prováveis, não alcançando a ciência, mas opiniões; aí está a diferença de potência ou força entre metafísica e dialética. Se a sofística visa a aparentar saber o que desconhece, o filósofo ou metafísico, ao contrário, volta-se vitalmente para o conhecimento da verdade. 

A dialética nos permite chegar a conclusões prováveis, verossímeis, perfectíveis e superiores aos enunciados dos quais partimos. Há um ganho de aprofundamento e de ampliação nos temas, sem que alcancemos resultados certos e seguros. Ao admitir o valor da dialética, é ainda mais significativo que Aristóteles sustente que a metafísica vá além dela e nos possibilite obter enunciados firmes e exatos. 

Muitos dos adversários da metafísica consideram-na inviável por tratar de temas que estão além das demonstrações matemáticas, lógicas, ou do que é verificado pelo conhecimento sensível. Ao mirar o abstrato, a metafísica seria impedida de obter verdades firmes e se limitaria, no melhor dos casos, a proposições inseguras e nebulosas, e, no pior, a um discurso sem sentido e inútil, porque versa sobre assuntos sobre os quais não se pode afirmar nada. Porém, para o pensamento clássico, o que sucede é o contrário: a metafísica trata daquelas verdades que, em si mesmas, são as mais certas, exatas e seguras; tanto é assim, que os conhecimentos das outras áreas se fundamentarão necessariamente nela. 

As afirmações metafísicas são as mais claras e verdadeiras em si mesmas, por natureza, mas não necessariamente para alguns, especialmente aqueles não treinados ou habilitados para o pensamento filosófico e abstrato. Ou seja, não é o grau efetivo de certeza e exatidão que alguém possui a respeito de uma verdade que garante o quanto aquela verdade é essencial ou exata em si mesma. Frequentemente, a certeza do sujeito – ou falta dela, sobre algumas verdades – decorre de uma especificação ou limitação dele, e não do objeto do conhecimento em si mesmo. 

Uma das descrições do método de pesquisa aristotélico, em termos bastante gerais, é alcançar o que é conhecido por natureza ou por si mesmo através daquilo que é conhecido por nós mesmos. Por isso, o conhecimento usualmente começa nas “aparências” (phainomena), relacionadas aos sentidos externos, para, então, alcançar verdades mais sólidas e profundas, como as essências. 

Concluindo, a metafísica não se resume a uma discussão dialética em torno do provável, mas procura verdades certas. Seus primeiros princípios são seguros, da maneira mais forte como isso pode ser afirmado da cognição humana e da estrutura da realidade. Essa certeza pode não ser patente para nós, ao menos em um primeiro momento, mas é uma decorrência de a metafísica ser a filosofia primeira, que examina o fundamento último da realidade e o ente enquanto tal. O método da metafísica é comprovado pela força de seus princípios. 

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