Faculdade Mar Atlântico

A teoria das quatro causas de Aristóteles

A teoria das quatro causas, formulada inicialmente na obra "Física" de Aristóteles e posteriormente expandida em sua "Metafísica", constitui até os dias de hoje um pilar imprescindível para a compreensão da realidade. O escopo da investigação aristotélica é notoriamente ambicioso, visando estabelecer as bases fundamentais que sustentam a existência de todas as coisas através da elucidação de suas causas. Aristóteles postula que o verdadeiro conhecimento sobre a natureza de um ente advém da compreensão de suas causas, princípio que permeia todas as indagações sobre a realidade. Segundo ele, qualquer questionamento acerca dos objetos e seres pode ser conduzido à busca por uma das quatro causas por ele identificadas, as quais estão intrinsecamente ligadas à totalidade da realidade existente.

A abordagem de Aristóteles acerca das causas se distingue significativamente dos métodos empregados pelas ciências naturais, como a biologia e a química, por se ater a uma exploração filosófica das fundamentações da realidade. Embora cientistas possam eventualmente refletir sobre questões filosóficas em seus estudos, ao fazê-lo, transitam para o domínio da filosofia. Este entrelaçamento entre filosofia e ciência evidencia-se na capacidade de grandes cientistas de integrar concepções filosóficas significativas ao desenvolvimento de seus trabalhos, demonstrando a indissociabilidade entre os esforços filosóficos e científicos na compreensão do mundo.

Causa e efeito

Aristóteles argumenta que a causa opera como um princípio essencial do qual a existência do efeito é intrinsecamente dependente. Em termos mais simples, este princípio pode ser entendido como um antecedente necessário, sem o qual o ente não poderia vir a ser. Existem diversos princípios que, embora antecedentes, não exercem influência direta sobre a essência do efeito e, consequentemente, não são considerados causas. Em contraste, outros princípios desempenham um papel influenciador significativo, estabelecendo-se, assim, como causas.

Um exemplo ilustrativo dessa dinâmica pode ser observado na preparação de um alimento: o impacto de um tempero na qualidade de um prato não é afetado pelo seu preço — ainda que seu pagamento anteceda a obtenção e uso da especiaria.. Tal exemplo destaca a distinção entre princípios antecedentes e causas efetivas, demonstrando que nem todo princípio antecedente afeta a natureza do efeito. 

Por outro lado, a qualidade intrínseca do tempero, sendo superior, evidencia uma relação proporcional direta com a qualidade percebida no resultado final da receita. Esta relação sublinha a conexão íntima entre causa e efeito, sugerindo que a compreensão das causas pode ser parcialmente obtida por meio da observação de seus efeitos.

No entanto, Aristóteles adverte que tal abordagem não constitui o método mais preciso para a compreensão das causas. A pura observação dos resultados pode ser uma ferramenta precária para o entendimento das causas: um pintor capaz de criar obras extraordinárias, por exemplo, pode também produzir esboços rudimentares. Embora a investigação dos efeitos possa oferecer pistas sobre as causas, a compreensão mais acurada é alcançada através do conhecimento direto das causas, que permite prever com maior precisão os efeitos resultantes.

Dentro desse quadro teórico, Aristóteles classifica as causas em quatro categorias: material, formal, eficiente e final. As causas material e formal são consideradas intrínsecas ao ente, responsáveis por sua constituição, enquanto as causas eficiente e final, extrínsecas, explicam seu movimento e transformação. A interação e a preponderância entre essas categorias variam conforme o contexto e são cruciais para a compreensão abrangente dos entes.

A causa formal

A causa formal é responsável por um ente ser o que é. Uma estátua e uma cadeira, por exemplo, podem ser feitas do mesmo material; todavia, é a sua forma que as distingue. Podemos pensar, ainda, no exemplo do ácido que se une a uma base e se transforma em um sal: a matéria que havia no ácido e na base separados é a mesma que há no momento posterior, em que se unem e se transformam em sal; o que muda é a forma de organizar esta mesma matéria.

A madeira corrompida pelo fogo gera a cinza. Isto é o mesmo que dizer que a matéria que estava antes ali transformou-se em outras coisas e, do que outrora era a madeira, surgiu a cinza. Pode-se colocar esta cinza, ainda, na terra, onde talvez seja absorvida pelas plantas que ali vivem. Se esta planta servir de alimento para um animal, aquela mesma matéria que antes compunha a madeira passará a constituir este animal. 

Note que o que ocorre nestes casos é um ciclo no qual a materialidade se mantém, mas a matéria é a cada momento organizada segundo uma forma diferente. Toda matéria conhecida está sempre associada a uma determinada forma: a matéria, em si mesma, é pura potência, pura possibilidade, mas sua existência concreta nunca se dá sem forma alguma — é precisamente na matéria associada à forma que há o ente material.

A causa material

A causa material talvez seja a mais simples de entender: é aquela referida quando o homem se pergunta de que algo é feito. Uma estátua grega é feita de mármore; uma mesa é feita tipicamente de madeira. A matéria é pura potência e só será um ente material propriamente dito quando for atualizada pela forma. 

A madeira, antes atualizada como um pedaço de madeira, sofre uma modificação que dá a ela forma de mesa. Caso essa mesa seja queimada, por exemplo, sua forma será atualizada e esta se transformará em cinzas. 

Causa eficiente

Como se dá o movimento de atualização da matéria segundo uma forma específica? O que ocasiona um arranjo específico entre matéria e forma? A resposta para esta pergunta revela a causa eficiente de um ente: trata-se da causa que designa o que originou a mudança ou movimento que culminou no ente. 

A causa eficiente da escultura é o escultor, pois é ele o agente que promove a transformação do mármore, que estava sob a forma anterior de bloco, em uma escultura. Quando a madeira é corrompida e transformada em cinzas, é o fogo a causa eficiente deste movimento. O fogo, por sua vez, pode ter sido originado por um raio, que será, então, sua causa eficiente. Um movimento produz outro, de modo que há causas mais próximas ou mais distantes de um determinado efeito.

Há uma ideia importante subjacente à noção de causa eficiente: a de que as coisas não se movem por si mesmas. É necessário, portanto, que algo as mova. Nos seres vivos, é possível buscar explicações biológicas para o movimento; todavia, mesmo essa sucessão de causas suficientes do ponto de vista fisiológico levaria a alguma espécie de princípio vital. Trata-se de um salto para o aspecto filosófico — a alma — que não é aceito pelos materialistas. É importante ressaltar, no entanto, que este passo não diminui a importância da explicação científica — somente destaca sua insuficiência como explicação isolada.

Há vida no homem quando seu coração bate, mas por que seu coração bate? Pode-se dizer que há um conjunto de condições fisiológicas que permitem o bom funcionamento deste órgão, o que é verdade. Mas por que em um corpo idêntico a outro, um pode ter vida e outro não? Parece haver algum princípio intrínseco do próprio ente que originou este movimento: este seria a alma.

Causa final

A causa eficiente sempre age em vista de um fim, de forma consciente ou não. No caso da escultura, seu escultor promove a transformação do mármore visando conscientemente transformá-lo em escultura; o fogo, por sua vez, não age de forma consciente sobre a madeira, mas ainda assim só possui um fim em contato com esta. Dito de modo amplo, o próprio fogo “age” tendo em vista uma determinada finalidade que está em sua natureza. 
Explicadas as quatro causas, torna-se mais fácil compreender o porquê de estarem dispostas em dois pares: causa material e causa formal, já que o ente não pode ser constituído de matéria sem forma; e causa eficiente e final, já que o ente não pode ser produzido por um movimento que não possua finalidade. 
Os antigos diziam que a causa final é a causa das causas, porque as demais causas do ente assim o são em vista da causa final. O material da estátua é escolhido de acordo com o tipo de estátua que se deseja produzir; toda a ação do escultor na promoção da transformação do bloco de mármore se dá em vista da finalidade de produzir uma determinada escultura; do mesmo modo, a forma será escolhida sob a determinação da finalidade.
Quando um ser humano produz um artefato qualquer, a causa final deste ente está em sua mente. Aristóteles não utiliza o exemplo da escultura à toa: de algum modo, a ação do homem na criação destes artefatos imita o próprio processo de criação na natureza.
 

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